segunda-feira, 24 de março de 2014

Sobre Lars não ser um cavalheiro, e por que isso o torna fantástico

Recapitalundo: Lars é nerd, fanfarrão, rebelde, um fantástico criador de personagens, realista, mas ele não é um cavalheiro.

Lars cria heroínas exuberantes e as coloca nas situações de maior desamparo, vulnerabilidade e violência. Ele não economiza ao entregar o fardo a elas, e isso acontece mais um vez com Joe, em Ninfomaníaca. Ele não é um cavalheiro, mas isso o torna o cineasta mais feminista.
O cavalheirismo, por mais bonitinho que se apareça (e bem intencionado sim), tem em sua constituição a ideia de que as mulheres são frágeis, incapazes até, parte-se da premissa de elas precisam de ajuda para abrir a porta, para chamar o garçom, escolher uma mesa, pagar a conta. Em última instância, o cavalheirismo as subjuga à sombra protetora masculina. Ao pai, depois ao marido, nunca como senhoras de si. A boa moça se veste e se comporta apropriadamente, ela cruza as pernas, ela não expõe sua sexualidade, jamais.
As mulheres de Lars são o contrário de tudo o que se diz sobre o bom comportamento feminino, e elas sofrem, e são humilhadas por isso. Lars foi criado por pais nudistas, e tinha uma mãe que decidiu contar de forma dramática, à beira da morte, que seu pai de criação não era seu pai biológico, que seria na verdade, um amante que ela havia tido no passado. Essa história não transmite propriamente a genialidade desse homem, mas talvez dê pra entender de onde vem o sarcasmo mais volátil do cinema mundial.

-------SPOILER-------------------------------------------------------------------------------------------

Eu fui surpreendida, depois de toda a publicidade em cima do filme, ao assistir ao volume 1 de Ninfomaníaca. Todo o sexo explícito, sem falar no próprio tema, e os cartazes mostrados, me levavam a crer, encontrar mais pra frente um filme extremamente forte e sexual, e não a história que é contada com tanta naturalidade e por que não, bom humor. Eu não deveria ter me surpreendido. É como se toda a publicidade feita, tenha sido um grande trote do Lars, o que se conclui no volume 2. Não que o filme não seja forte, ou não tenha cenas explícitas, mas um de seus antecessores, Anticristo (2009), pode ser considerado muito mais sexual, aliás, no volume 2, Lars faz uma paródia da famosa e deslumbrante cena inicial desse filme, com um final um pouco mais otimista, usando a mesma trilha e os mesmos efeitos, é Lars se divertindo com a nossa cara (por que ele é um fanfarrão).
Em Ninfomaníaca escutamos a história de Joe (Charlotte Gainsbourg - a mesma de Anticristo), que está entre uma das minhas personagens preferidas do cinema no momento, a própria ninfomaníaca auto-diagnosticada, que nos aparece como um ser humano originalmente bom, extremamente fiel aos seus instintos. Quem a escuta é Seligman (o sempre presente Stellan Skarsgard, mais conhecido como meu sogro - http://goo.gl/hiYkuI), um virgem de 70 anos, um senhor que viu a vida toda através dos livros, o oposto completo de Joe (um nerd, assim como Lars). O que acontece nessa história, nos leva a uma empatia que cresce em relação a essa mulher, mérito grande para Charlotte, eu acredito ser impossível não entender sua força e coragem, até mesmo quando ela argumenta em favor de um pedófilo.
O desfecho quase me levou às lágrimas, e me fez repensar toda a filmografia de Lars, quando o bom Seligman rebate tudo que ocorreu com Joe, especulando se haveria toda essa polêmica em sua vida, se ela fosse um homem, (nesse momento eu me segurei para não levantar e bater palmas). Seligman (ao que parece), termina cobrindo-a docemente e deixando-a descansar.
Um beat, uma relexão, "teria o velho Lars amolecido com os anos, e realmente deixado uma mensagem otimista para todos nós?" Quando bum!O velho, virgem, e antes assexuado Seligman volta para praticamente estrupar Joe enquanto dorme, o final é um tiro e tudo fica escuro novamente no mundo, Lars dá sua última risada sarcástica.


PS: Lars, na voz de Joe, faz uma alusão ao acontecido em Cannes, quando diz a Seligman, algo como: A sociedade exalta aqueles que falam bonito, mas possuem más intenções, e execra quem fala mal, mas tem boas intenções - sobre o comentário nazista de Lars, que acabou expulsando-o da Premiere como persona non grata. http://goo.gl/7Eofq2

quinta-feira, 20 de março de 2014

Sobre Lars

Hoje eu retorno a esse blog tão esquecido, para falar de um roteirista, diretor, realizador, que me tem feito chacoalhar o pensamento, levantar a poeira e por que não, elevar o meu espírito: Lars Von Trier.
Como ponto de partida, tenho seu último empreendimento, o filme Ninfomaníaca, dividido em dois volumes, mas principalmente, o que é esse filme em relação a toda uma convivência com as demais realizações e mensagens que ele tem passado, desde os seus 11 anos de idade, quando começou a fazer filmes com sua super 8. Antes de falar propriamente do último, e por que eu o acho o melhor de todos os tempos - de todos os autores do mundo - gostaria de enumerar algumas características desse homem, dinamarquês, controverso e tido como excêntrico (esse adjetivo tão mal utilizado):

Sobre Lars:

Ele é um nerd:  entendendo “nerd”, por alguém que não é meramente culto, ou especializado em algum campo do conhecimento, mas aquele ser humano que sente tesão por informação, em seus mais diversos teores;

Um fanfarrão:  aquele cara que em absolutamente nenhuma ocasião, vai perder a oportunidade de fazer uma piada, Lars é muito estudado, mas não é refinado. Ele é o cara que faz piada em enterro e cutuca a viúva pra que ela possa rir com ele;

Um genial criador de personagens:  ele é capaz de criar as pessoas mais adoráveis e ao mesmo tempo mais cruéis já vistas (daí a veracidade que emana delas), e seu êxito está em não subestimar ninguém quando se trata da força, e ao mesmo tempo na sua capacidade de fazer o que é considerado mal;

Um rebelde: ele subverte as emoções, não se trata apenas de choque, ele entra no âmago, permite que criemos empatia, para depois desfigurar nossos sentimentos e rir do nosso choro contido. Não se pode levar para o pessoal, ele não quer atingir a mim ou a você, seu foco é a própria concepção da sociedade, o indivíduo existe na manada, se decidir sair dessa ordem, ele é eventualmente pisoteado.

Engraçado que ele faz isso como mera demonstração do que lhe aparece, eu não acredito que ele almeje algum tipo de revolução, Lars também é realista (pessimista jamais).

E por último, das afirmações, a negação:
Lars não é um cavalheiro.

Continua...